14 de dezembro de 2008

= RIO AQUIDAUANA, FILHOTE DE TAQUARI ?

É deprimente acompanhar a gestação de mais uma vala insossa, que parece ser o futuro do velho e teimoso rio Aquidauana.

Como se não bastasse o exemplo do rio Taquari, além de outros, a ganância, a ignorância, o desleixo, a inconseqüência e a omissão imperam e nada é feito no sentido de estancar o processo de degradação completa, onde todas as modalidades de danos ambientais são aplicadas.

Este curso d'água tem suas nascentes entre Bandeirantes e São Gabriel D'Oeste, no Mato Grosso do Sul, regiões em que já se iniciam os maus tratos.

Às margens de seu trajeto existem apenas 03 cidades e uma meia dúzia de corrutelas, cuja geração de lixo e esgoto urbanos, à exceção de Aquidauana e Anastácio, é ainda pequena e facilmente controlável.

Neste sentido, seria um rio privilegiado, não fossem os crimes verificados em sua cabeceira, onde a agricultura e pecuária são conduzidas de forma inconseqüente, fartamente comprovada por imagens de satélite disponíveis na internet, através das quais qualquer leigo constatará a morte de nascentes e varjões sob os discos dos arados, verificará e até conseguirá medir o que fizeram com as matas ciliares, que em alguns pontos já inexistem e noutras, não passam de 5 metros.

Concomitantemente, há o despejo de defensivos agrícolas, à guiza de uma produtividade cujo efeito colateral é a morte, tal qual um vírus que se alimenta do organismo em que vive, até seja exaurido.

Os tributários do rio Aquidauana, tais como o Cachoeirão, Ceroula, Vermelho, Dois Irmãos, Taquarussu, São João, Jatobá e outros, têm sofrido exatamente do mesmo mal, potencializando os efeitos nocivos.

Tragicômico verificar que o maior poluidor urbano, o algoz-mor, adotou o nome da vítima e se vangloria disso, e ainda intitula-se porta de entrada do pantanal.

Fico a imaginar se, caso pudesse ser vendido e transportado para outro país, quanto valeria o rio Aquidauana, acompanhado de sua beleza, piscosidade teimosa e características diversas que apresenta ao longo de seu curso. Quanto pagariam os franceses, norte americanos, italianos, espanhóis, etc.?

É difícil aceitar que este rio, com porte de ribeirão, possa comportar a pressão da pesca comercial, a qual, na verdade, não garante sustentabilidade ou qualidade de vida a ninguém, visto que as comunidades de pescadores profissionais vivem à mingua, favelados, dependentes de cometer alguma predação dentro ou fora dos períodos de defeso, buscando assim um algo mais para não passar fome. Aqui não cabe hipocrisia, todo mundo sabe disto.

Nós, brasileiros, costumamos nos qualificar como espertos, todavia os argentinos proibiram no inicio de 2008 o abate dos “dourados gigantes” que vivem em suas águas, exemplares do mesmo porte daqueles facilmente encontrados no passado, e hoje inexistentes no rio Aquidauana.

Não temos mais tal privilégio, já os consumimos ou os espantamos, enquanto os hermanos faturam horrores com o turismo de pesca do “el tigre”.

Ficaram com a última e melhor fatia do bolo.

Há alguns anos deixei de oferecer a opção rio Aquidauana a amigos de outros estados, pescadores esportivos por consciência, devido à vergonha de apresentá-los ao lixo enroscado nas matas ciliares ou flutuando nas águas do rio, dentro do perímetro e após as cidades de Aquidauana e Anastácio.

Também já tenho receio de conviver com o esgoto urbano residencial e industrial despejado e à vista de qualquer um sem o menor pudor. Há o risco da hepatite, portanto, já é um problema de saúde pública.

Impossível entender que estas cidades ainda admitem o uso em larga escala, de sacolas plásticas, de garrafas pet, que aceitem o deposito de pneus e outros objetos dentro do leito do rio.

É um caso de má educação do povo.

Como se não bastasse, a especulação imobiliária se sobrepõe e loteia as margens do rio em chácaras de lazer desprovidas de qualquer critério, povoando-as de pessoas sem o menor respeito àquilo que os cerca, à medida em que desmatam, constroem, deformam os barrancos, criam voçorocas particulares, praticam a ceva com soja e vão embora para voltar somente na próxima semana, matando tudo o que sai vivo da água, em quantidades muito superiores ao seu consumo consciente.

Existe uma miríade de loteamentos que, de tão irregulares, sequer conseguem fornecer escritura aos proprietários, algumas com mais de 25 anos nesta condição. Mas ainda estão lá, com seus tablados flutuantes, gabiões de pneus e lixo à vontade.

É preciso saber que o rio Aquidauana não é um piscinão de ramos, nele existem outros sêres vivos que não podem mais se defender sozinhos, tal a sanha do ser humano. Rio Aquidauana é sinônimo de Pantanal e portanto, um santuário.

Se por um lado não temos o direito de dizimar tudo o que encontramos, por outro podemos usufruir inteligente e sustentavelmente de tudo o que a natureza oferece.

Este rio é especial em todos os sentidos, é um importante fornecedor para o pantanal, é imprescindível para reprodução de várias espécies, é pródigo na variação de características estruturais, boa acessibilidade, tem a metade de sua extensão sem aglomeração humana, e, admiravelmente ainda tem um potencial turístico considerável, desde que se saiba recuperá-lo para utilizar.

A maioria de nós, nascidos aqui, construiu uma história e a relação de uma vida com o rio Aquidauana, e este fato deve ser respeitado.

Vemos nos dias de hoje, uma verdadeira operação de guerra para salvar o que resta do rio Taquari, em projetos que prometem mas não assinam contrato de risco, tal a incerteza de resultados.

Fala-se em R$ 500 milhões.

Onde estão os causadores dessa desgraça que afetou de forma tão grave o nosso pantanal?

Certamente muitos já não estão vivos, outros já venderam suas propriedades rurais e se foram.

Este é o ciclo, os que ficam chafurdam nos dejetos daqueles que partem em busca da qualidade de vida ou de outra área para degradar, lastreados nos ganhos obtidos por meio dos crimes cometidos.

Órgãos de fiscalização e preservação do meio ambiente, prefeituras, governo estadual e assembleia legislativa, o que estão esperando? Reviver o pesadelo Taquari ?

Limite na potência dos motores de popa, recuperação das estruturas ciliares, recomposição das nascentes, proibição do transporte de pescado, encerramento da pesca comercial, eliminação das sacolas plásticas e garrafas pet nas cidades ribeirinhas, tratamento dos esgotos, interdição de chácaras irregulares, licenciamento especifico para o turismo de pesca esportiva e ou contemplativo...

Ainda há tempo !